segunda-feira, 17 de novembro de 2014

A triste história de Chester

Uma vez, num frio dia de Julho, uma igreja está realizando seu ritual de adoração.
Um pequenino gato, tentando se proteger do frio, começa a se aproximar da agitação que se apresenta.
Por várias vezes as pessoas tentaram afugentar o gato. Gritaram com ele, bateram palmas para assustá-lo, bateram o pé e até mesmo chutaram.

O gato por sua vez estava sentindo o calor que aquele lugar emanava. Eram muitas pessoas e seus corpos e respirações juntas criavam um ambiente mais atrativo que a rua gélida e escura. Mesmo com tanta dificuldade, era melhor que morrer congelado.

Uma criança ao ver que o gatinho não desistia, cutucou sua mãe para o fato até então ignorado por ela.
- Mamãe, mamãe. O gatinho está com frio.
- Hã? Filho, mamãe está ocupada.
- Mas mãe...
- Agora não. Estou adorando ao nosso deus. Fique quietinha, ok?

Mas era impossível. A menina tinha algo que a deixava incomodada. Por que falávamos de amor, quando um inocente gato querendo sair do frio, era impedido?
- Mãe, isso é importante?
- Claro que é. Para nós duas. Afinal de contas, temos que ser salvas.

Salvas? Do que? Ainda não tinha compreensão dessas coisas.
Enquanto isso, olhava o gato levando sovas dos porteiros da igreja.
Começou a chorar e a soluçar.
Preocupada, sua mãe finalmente lhe deu um pouco de atenção:
- Que foi, querida?
- Ma-ma-ma...
- Pronto... Calma, querida. - A menina estava agora apenas choramingando - O que foi?
- O gatinho...
- Ainda com esse gato? O que você viu de tão interessante nele? - esbravejou quase em um sussurro.
- Ele vai morrer, mãe.
- Sério? - Olhou para fora e viu o gato mancando ainda tentando entrar. - Não precisava chutar o gato. Coitado, ele não fez nada.
- Ele só quer sair do frio, mãe.
- Mas ele não pode entrar, filhinha...
- Por quê?
- Por que não pode entrar bicho na igreja.

A menina calou-se. Pensou, em seu pouco entendimento, que deus criou o gato. Por que ele não poderia entrar?
- Mãe. Fala com os moços. Fala pra eles deixarem o gato entrar. Eu vou cuidar do gatinho.
- Filha... não.
- Mas mãe...
- Já disse não, filha. - E com um pouco de pesar, voltou para a frente, onde o representante falava muitas palavras.

A menina, inconformada, saiu de perto de sua mãe, em um momento de distração, e foi em direção à porta. Os porteiros olhavam o gato com extremo desprezo, porém a menina pegou o gato no colo e tentou levar o gato pra dentro. Obviamente fora impedida.
- Mas o gatinho está com frio... Ele só quer se aquecer.
- Não podemos deixar ele entrar. Volte para perto de sua mãe.
- Por quê?
- Ele é um animal. Só por isso.
- Mas por que chutar ele? Ele fez algum mal pra vocês? - O gato emitiu um som estranho e arranhou a menina. - Ai!
- Viu? Ele é um animal. - Porém a menina não soltou o gato. Segurou como se fosse o seu bichinho.
- Moço, ele vai morrer nesse frio.
- Não é meu problema, criança. Venha cá. - Segurou a menina pelo braço e a puxou para dentro. A menina esperneava por não poder levar o gato pra dentro. Começou a chamar a atenção para si. A igreja olhava para a porta para saber o que ocorrera.
- Irmãos! - berrou o pastor - Deixa que as coisas sejam resolvidas sozinhas. Sabem todos que nossa salvação está próxima... - e continuou seu discurso.

A mãe correu ao encontro do porteiro com sua filha:
- Menina, não faça isso! Vai me matar de vergonha!
- Mas mãe...
- Nada de mais. Ou você quer levar uma surra?
- Não... - De repente, alguma coisa chamou a atenção desta mãe. Do outro lado da rua, havia uma pichação que não havia reparado. O que dizia, tocou bem fundo o coração dela:
"Como almejar o amor de alguém maior, se nós não amamos os menores que nós?"

A mulher, ficou alguns instantes pensando. Seus sentimentos se transformaram de raiva para angústia. Aquilo estava certo. O que estava fazendo com o pobre gato.
Correu ela mesmo, pegou o gato e contra a vontade dos porteiros, entrou.
O gato, muitíssimo machucado, sentiu algo lhe esvair. Sentia dor, mas não podia se mexer. Estava cansado e gelado.
A mãe sentou-se no canto da igreja. Sua filha chegou perto chorando pelo gatinho. "Coitadinho", dizia.

- O que vamos fazer, mãe?
- Bem, deixe eu olhar ele. - Levantou um pouco o gato e viu que havia sangue na roupa. - Nossa! Ele está sangrando!

O gato sentiu-se levantado sentia sua vida sendo jogada para fora. Miava baixo, como se chorasse. Jogou sua cabeça para o lado tentando evitar a dor, mas era forte e era fatal.
- Mãe... - chorava a menina - Ele vai morrer, não vai?
- Claro que não, filha. - Mentiu - Vamos cuidar dele, ok? Pegue uns papéis no banheiro. - A filha correu, porém antes que chegasse no banheiro, o gato morreu.

A mãe chorava com o gato no colo. Sentia-se culpada. Por que não o salvara?
Olhou então a coleira do bichinho. "Chester", era o dizer.
A criança veio e entregou o papel para a mãe:
- Toma, mãe.
- ... Obrigado, filha.
- Ele está bem?
- Ele se foi, meu bem.
Mais soluços da criança.

Depois de alguns minutos:
- Mãe...
- Sim, filha?
- Deus gosta dos animais?
- Claro, filhinha.
- E gosta da gente?
- Gosta.
- Mesmo a gente matando quem ele gosta?
A mãe ficou em silêncio. Não poderia responder a essa pergunta. Sabia a resposta correta. Mas não queria ter culpa naquilo.
- Não sei, filha.
- O que vamos fazer com ele?
- Vamos enterrá-lo.
- Ah.

O culto se processou normalmente, mas para aquelas duas, o ensinamento não poderia ser maior.
Principalmente para a mãe.

Fim.